(Rubem Alves)
Faz muito que a sociologia dos bares me fascina. Ela tem a ver com as várias relações entre as pessoas que acontecem dentro daquele espaço. Percebi que se parecem muito com as que acontecem em lugares sagrados. Há bares que se parecem com catedrais: são enormes, centenas de pessoas cabem lá dentro, as pessoas se perdem na multidão. Ir lá é como participar de uma romaria. Outros bares se parecem com pequenas capelas e mosteiros: as relações são íntimas, as pessoas se conhecem, os garçons são chamados pelo nome. Voltar a esse bar é voltar a um lugar já conhecido e amigo. Um freqüentador não é um cliente. Ele tem nome. Aí muitas coisas interessantes podem acontecer. Muita filosofia e muito amor nasceram em uma mesa de bar.
Não tem nada a ver com restaurante, onde raspado o prato vai-se embora. Barriga cheia, não há mais o que fazer. O tempo anda rápido. Nos bares é diferente: o tempo pára. Não se vai lá pensando em sair, mas em se desfazer dos objetivos do tempo.
Por vezes, o que se deseja é estar sozinho. Muito já entrei numa igreja, no meio do dia, só para estar só. Sozinho, num bar, lendo um livro, pensando. Isso, claro, se o bar não for do tipo igreja pentecostal, onde é proibido estar sozinho, pois o barulho é de tal ordem que a solidão é impossível. De uma boate conhecida se diz: “É muito romântica: todos falam com a boca colada no ouvido do outro”. Tem de ser assim, pois o barulho da música é tal que não se ouve o que a boca do outro diz.
É verdade que os bares já foram lugares de perdição. Eram, não onde as pessoas se perdiam, mas o lugar em que os que haviam se perdido em outros lugares vazios de alegria tentavam encontrar a alegria perdida.
Num tempo em que visitar caiu de moda, é bom saber que há um lugar onde é possível estar com os amigos.
(ALVES, Rubem. "Cenas da vida", São Paulo: Papirus, 1997. P. 89 à 90)
0 comentários:
Postar um comentário